Cadê o Carlos Romero??
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A matéria foi publicada no dia 9 de maio no New York Times e tem por título "Brazilian Leader's Tippling Becomes National Concern". A primeira atenuante que tentam dar para o jornalista é a de que quem faz o título não é o repórter mas o editor ou sub-editor. (Aqui, a matéria toda em português.)
Para ter certeza de estar entendendo tudo o que estava lendo, reinstalei o tradutor GuruNet para pode entender melhor cada palavra, inclusive, "tippling", (To drink (alcoholic liquor) or engage in such drinking, especially habitually or to excess." ) que poderia ser algo como 'mamar' ou 'enxugar' uma bebida.
Não sei quem escreveu o título mas não era verdade até o artigo ser escrito. O consumo de álcool pelo presidente Lula não havia se 'tornado uma preocupação nacional'. Porém, como sempre acontece, a profecia se concretizou. Não era. Mas agora é. E deflagrada por esta reportagem. Sigamos
Logo no primeiro parágrafo o repórter explica para o leitor do NYT que cachaça é uma bebida forte extraída da cana de açúcar. Devemos concluir que o repórter parte do princípio que o leitor do jornal ignora o signficado de cachaça. Pelo menos aqui no Brasil, ninguém precisa explicar o que é whisky, nem para quem é analfabeto. Um a zero pra nós.
No segundo parágrafo, ele já mostra a sutileza de suas garras ao escrever que as sucessivas crises do governo Lula 'gerou especulações de que seu aparente desligamento e passividade pode de alguma forma estar relacionada ao seu apetite por álcool'. O cara chutou o balde, ou melhor, o barril. E claro, na frase seguinte diz que seus apoiadores contudo, negam. Artifício de lobo mau.
Ao contrário do que escreve Diogo Mainardi em sua coluna na Veja nesta semana, meio que defendendo Larry Rohter (Mainardi é citado no artigo de Rohter), o jornalista reafirma o título começando o 3o. parágrafo com a frase "Embora líderes políticos e jornalistas conversarem entre si cada vez mais sobre o consumo de álcool do Sr. da Silva". E, claro, ele cita uma frase de Brizola. Precisa ser muito anta pra levar Brizola a sério a este ponto. Mas um leitor que não sabe o que é cachaça não deve nem conhecer Brizola.
Depois de comentar que a imprensa publica fotos de Lula de olhos injetados e cara vermelha, ele dedica um parágrafo a Mainardi, citando sua coluna de março de "the gadfy columnist" (colunista polêmico, colunista crítico persistente e irritante, segundo o gurunet traduz gadfy) . Fui lá na Veja, usei meu email já registrado na editora Abril e li a coluna de 24 de Março de Mainardi.
A coluna fala de alcoolismo mas é muito sóbria. Concordo com o conselho que Mainardi dá a Lula, o de parar de beber em público. Não se deve dar mau exemplo num país onde o alcoolismo é devastador, como é nosso caso. Não tenho a menor simpatia por Mainardi, mas da mesma forma que não concordo com tudo o que as pessoas que amo dizem e pensam não discordo das pessoas que não gosto. Sentimento é uma coisa, sensatez, é outra.
Logo depois de falar da coluna de Mainardi, Rohter menciona, no parágrafo seguinte, que uma semana depois a mesma revista (Veja), publicou uma carta de um leitor, preocupado com o 'alcoolismo de Lula' e seu efeito sobre a capacidade do presidente de governar.
Fui ver a carta. Ela foi publicada na edição de 31 de março da Revista Veja, assinada por Carlos Romero, de João Pessoa, na Paraíba. Carlos Romero faz gracinha logo na primeira linha dizendo que o artigo de Mainardi sobre o alcoolismo de Lula está 'embriagador'. Mas aqui, Rohter mostrou-se um mentiroso. O leitor não disse que está preocupado com o alcoolismo de Lula. Ele nem diz 'alcoolismo de Lula' e nem menciona nada sobre a capacidade do presidente governar. Rohter escreve:
A week later, the same magazine printed a letter from a reader worrying about "Lula's alcoholism" and its effect on the president's ability to govern
E o leitor escreveu:
O artigo "Meu conselho ao presidente" (24 de março), sobre o alcoolismo de Lula, está embriagador. O colunista deixou o humor de lado e escreveu com muita seriedade. O país é como um navio. Se o comandante está tomando pinga, em plena direção, é um perigo. E Mainardi aborda a questão com muita lucidez. Foi um de seus melhores textos. Agora fico pensando: será que Lula está agindo assim para esquecer os problemas que não pode resolver?
Carlos Romero
João Pessoa, PB
A matéria segue mencionando Jânio Quadros, as gaffes de Lula e ainda explica para o leitor que não conhece cachaça, que Cláudio Humberto é uma espécie de Matt Drudge da polícia brasileira e que ele lançou um concurso entre os leitores pedindo um novo nome para o avião presidencial, substituto do 'Sucatão'. Rohter diz que um dos nomes vencedores foi "Pirassununga 51".
Aí vem a parte hard-core: Rohter diz que a 'imprensa brasileira descreveu diversas vezes o pai do presidente, Aristides, que ele mal conheceu e falecido em 1978, como um alcoólatra que abusava dos filhos.' Pois eu nunca vi nada disso na imprensa brasileira.
No último parágrafo há uma menção de um artigo da Folha em que Rohter diz que no governo Lula a caipirinha tornou-se a bebida oficial por decreto presidencial. Achei o artigo, de 5 de abril, chamado Lei Seca,
assinado por F.L. , Fabiane Leite que fez uma extensa matéria sobre alcoolismo entrevistando, inclusive, Zeca Pagodinho. A competente jornalista, não deixou de mostrar os dois lados da questão, aliás, num trabalho muito completo.
Na coluna de Diogo Mainardi desta semana e diz que não sabe se o desempenho de Lula é afetado pelo consumo de álcool. Eu também não sei. Mas sei que o álcool existe e que há pessoas que sabem beber com moderação e outras que não sabem. Não conseguem. Sei que o alcoolimo é um problema, uma desgraça, uma praga que dizima pessoas e famílias. Mas sei também que há uma poderosa indústria que fomenta jovens com 14, 15, anos a beberem, embora a lei proiba. Sei que o cigarro existe. E mata. Sei que a lei proibe a propaganda de cigarros mas não proibe a de álcool. Sei que as cervejas patrocinam o carnaval e que no carnaval faz-me mais sexo irresponsável e, justamente por isso, as campanhas para o uso de camisinha são veiculadas mais intensamente.
E já que estamos falando de ser humano, vamos falar do mundo que nós, seres humanos criamos, um mundo que tem como principais movimentações econômicas, as atividades mais rentáveis do planeta, o tráfico de drogas, a indústria bélica e a extração de petróleo. Não parece nem um pouco com o paz e amor que a gente sonhou.
Eu não sei se o Carlos Romero, lá em João Pessoa, sabe que ele foi citado no New York Times. Nem sei se ele bebe socialmente. Mas caso beba, deve ter ido a um bar comemorar. Não há vaidade humana que resista a uma menção num jornal tão importante, ainda mais, quando vira história. Triste história. De todos os lados. Dá vontade de chorar. E acredite, não dá nem vontade de fazer piada.
Na minha opinião o governo errou ao tentar expulsar o jornalista. Ele errou ao escrever inverdades ou imprecisões. A imprensa brasileira errou ao dar tanta importância para um artigo que apenas compilou informações de outras fontes que falaram do tema.
Acho que vou ouvir Vícios e Virtudes do Charlie Brown Jr.
Tudo errado.