12/28/2002

Maresia
A beira mar e seu ar salgado tem aquele velho inconveniente que faz a tristeza dos consumidores e alegria dos produtores de eletrodomésticos: tudo enferruja. A geladeira fica carcomida e descascada, os parafusos e dobradiças deixam fixas partes que já foram móveis, as bicicletas parecem sobreviventes de uma guerra de oxidação.
Os armários,quando não ficam com cheiro de naftalina ficam com cheiro de maresia. É preciso expor tudo ao sol, com seu poder esterilizador.
Dentro de casa, tudo o que fica, sofre. O sal, úmido, só sai pelos buraquinhos do saleiro na posição PQP, aquela em que você bate tanto na quina a mesa que quebra o vidro. E finalmente pode comer sal com vidrilhos moídos. O vinagre que ficou na galheteira só não piora porque não tem mais para onde azedar, mas forma umas criaturas deploráveis no fundo do frasco, verdadeiras cepas de seres alienígenas. A lata de azeite, dá nojo. O resultado é uma passagem por todas as conjugações do nosso igualmente enferrujado português: tudo o que você um dia acreditou ter tido, tudo o que um dia houve ou houvera havido, já mais não há. Tem que ir no mercado e comprar tudo de novo, do básico ao complexo. Sal,azeite, vinagre, orégano, alho, cebola, água, guardanapo, tudo. E fósforo, porque o que tinha, umedeceu. E gás, porque acabo o bujão. E, claro, aquele outro, que fica no minúsculo armário atrás de todos os guarda-sóis velhos e as cadeiras idem, vejam só, também está vazio.
E a má notícia: tem que voltar lá, porque a lâmpada queimou. Ou melhor, duas.
Lá vou eu.

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