11/01/2003

Microsoft e o direito de errar
Fé de menos ou fé demais, faz mal pra todos os mortais. Vale pra qualquer outra coisa além da fé, como água, comida, pressão. Saber a gente sabe, que é no eqüilíbrio que está a sabedoria, duro é por isso em prática o tempo todo. Por isso, de vez em quando, todo mundo escorrega. Feio.

As K-gadas solenes que fazemos têm sempre um antes, um durante e um depois. Em geral, não são premeditadas por isso não temos noção do 'antes'. O antes costuma ser uma CIRCUNSTÂNCIA, um ambiente propício, que pode ser TPM, um dia de cabelo ruim, problemas financeiros, afetivos, profissionais ou estruturais, caminhão que espirrou água da poça na nossa calça, qualquer coisa. Fato é que sempre tem um 'antes'. Mas a gente não tem consciência do que está por fazer.

Depois, vem o momento, o DURANTE de toda solene K-gada. A passagem do ANTES para o DURANTE pode ter um estopim, uma ignição. É o garçon que derruba a sopa, o motorista do ônibus que freia de repente, o vizinho que diz a palavra errada, um engano ao telefone. Neste momento, você passa do antes, com toda a carga ruim do seu momento e vai com tudo para o DURANTE. E aí, caga generalizado. É merda no ventilador, é farofa nos dutos do ar condicionado, é abóboras gigantes para todo lado. A gente diz o que não quer, faz o que não deve, contra tudos e contra todos, sem perceber nadica de nada, nem que está realmente entrando num processo de auto-destruição.

Nessa hora, as pessoas que sentem afeto pela gente, tentam dar um toque, do tipo 'calma'... 'não faz isso'... 'fica na boa'... 'pára com isso'. Mas às vezes, somos tomados por um ódio tão mortal, uma raiva tão intensa, que fechamos os cinco (os seis...) sentidos para os conselhos, percepções e toques que vêm de fora.

Mas, como toda tempestade passa, depois, vem a ambulância. E aí, é hora de recolher mortos e feridos. E acredite, muitas vezes há mortos. Há amizades que morrem, morre a confiança ou, em geral, é a esperança que você mata nas outras pessoas, a fé que elas têm ou tinham nos outros seres humanos. Feridos, sempre há. Porque você será a primeira grande vítima do seu ataque.

O depois vem carregado de culpa. E a culpa nos leva a buscar todas as justificativas. A gente sempre tem justificativas, sempre é possível 'compreender' motivos, mas não no caso da morte. A morte é o evento mais forte, mais definitivo (pelo menos na religião judaico-cristã), mais temido e assustador, inexorável, da nossa vida. Nada justifica matar ou morrer.

Por isso a gente tem que fazer de tudo, mesmo, pra cuidar bem das nossas pulsões de morte, Tânatos. A gente tem que entender, discutir, prevenir, controlar, esses ataques. Tem que admitir que acontecem, que estamos sujeitos a ele. E temos que trabalhá-los. Nem eu nem ninguém consegue fazer isso de forma perfeita, talvez, sim, alguns monges, budistas, religiosos. Mas é difícil. E é porque é difícil que a gente tem que respeitar o monstro. Não alimente o monstro. Tente se lembrar disso.

Há um tempo, discuti bastante uma doença chamada DDA aqui no blog, recomendei um livro que acabou virando best-seller, fui à noite de autógrafos da autora, fiz amizade com sua assessora, divulguei o trabalho em vários lugares e pra várias pessoas. Agora, estou me tratando da DDA. E começo a me sentir um pouco melhor. Vejo as coisas mais claramente. Concentro-me com mais facilidade. E quando vejo que perdi o ticket do estacionamento, a chave do carro, que esqueci de fazer coisas importantes, não tentro em pânico: mantenho a calma e tento resolver da melhor forma possível.

Desculpe o longo post e a psicologia de vizinhança, mas vivemos todos aqui um exemplo bacana disso, com o Marcos, que teve um ataque público por aqui, nos comments, chocou alguns, nutriu o monstro de outros, que reagiram com a mesma ira, despertou a compaixão de outros. Mas ele mandou um email e publicou um texto dizendo que foi mesmo um surto, um ataque, ao qual todos estamos sujeitos.

E desta consciência dele, todos despertamos melhores.

Ilusão a gente achar que não influenciamos todos e que não somos por todos influenciados.
Somos, sempre, porque somos todos parte de uma mesma coisa: a raça humana.
Beijos,

Rosana Hermann

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