4/04/2003

Hora do Almoço
Sair de guarda chuva e salto alto pelas calçadas irregulares de são paulo é uma aventura de equilíbrio para poucos. Não é o meu caso. Consegui prender o dedo no guarda-chuva, espetar minha própria mão e se não furei os olhos com as varetas foi porque Deus não quis. Felizmente, lembrei que eu tinha um segundo par de sapatos no carro e fui até lá trocá-los.
Com a roupa errada para o dia certo ou vice-versa, decidi aproveitar o horário de almoço para fazer um pit stop rápido na primeira lojinha de bairro que encontrasse. Encontrei um micro-butique que, como sempre, lotou assim que entrei. Não é a minha fama, é só um daqueles aspectos inexplicáveis do destino. Toda vez que eu entro em uma loja vazia, ela lota. Devo ter sido a abelha que alertava para focos de açúcar em vidas de inseto passadas.
Experimentei algumas blusas naquelas cabines formadas por um espelho e um cano metálico em formato de quase-círculo, com uma cortininha de pano a ser puxada.
As primeiras tentativas foram todas hediondas, com requintes de crueldade. Acabei optando por uma blusa bem feminina, um pouco decotada demais e com babados demais. Comprei um cinto para combinar com a sandália que ficou no carro, um casaquinho preto básico de linha. Vesti tudo, paguei e ...comprei mais um brinco e saí.
Toda renovada, me sentindo a própria Miss-Quece versão Outono, em cores estampadas de folhas mortas, comatosas e terminais, saí pisando firme pela calçada molhada. E o guarda-chuva. E a sacolinha com a camisa de antes.
Para não me deixar levar pela sensação de poder, fiz questão de comer numa boca-de-porco, uma lanchonete num posto de gasolina, da qual já tive notícias de vários sobreviventes de lanches e almoços. Pedi um inofensivo sanduíche de queijo-branco-tomate-e-alface na forma, chapada, e um suco de laranja com mamão.
Enquanto esperava o rango, todos nós na lanchonete assistíamos o fim do programa da Angélica na globo, a chamada do Luciano Huck e as olimpíadas de biquini, o clip da Kelly Key, que sumiu da mídia e do mundo, porque deve ter emagrecido uns 583498 quilos para fazer o clip e, em seguida, um comercial chocante. Aquele comercial falando dos efeitos do cigarro, com um homem que perdeu as duas pernas e os movimentos dos braços por causa do cigarro.
Encerrando com a assinatura do Ministério da Saúde e a locução.."esta propaganda o cigarro não mostra..."
Corta e.. Grande Prêmio Brasil, com um carro vermelho escrito Marlborough em letras garrafais...
Já que o bom senso não é commodity valiosa neste mundo, comi meu sanduba que veio sem alface e com o chapeiro avisando:
- ó, ficou com gostinho de carne, porque eu fritei um bife na chapa antes...
Tudo bem, quem se importa? Por 4,60 com direito a chiclete de troco, tá tudo bem.
Foi só trocar o sapato novamente no carro, perder a chave, o crachá, quase furar a retina com o guarda chuva e subir para o trabalho.
Ah, sim, já escovei os dentes.

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