12/12/2002

Sem pé, nem cabeça.
Ápode e acéfala, essa sou eu, hoje. Começando pelo final, cheguei em casa descalça, com os malditos na mão, pisando no chão sujo e gelado da garagem fria, a um passo de jogar o par na lata do lixo. É o que vou fazer, juro.
Não sei o que aconteceu com meu par de moules, que fizeram de mim, amula, sem cabeça e sem pés.
Lembro de já ter sido feliz com eles, mas algo saiu errado e hoje, eles destruíram meu par de pés, meu único par tamanho 36.
A culpa é toda minha, da minha imbecilidade. E quando a cabeça não funciona, o pé sofre. Lembro de um único momento onde sofri tanto, só um.
Foi durante uma reportagem, no Shopping Iguatemi, com Jorge Amado, ainda vivo na época. Eu tinha visto um sapato lindo, bicolor, bege e preto, de verniz, com um lacinho e comprei-o embora apertasse um pouco o pé, com aquela mistura de esperança/ilusão de que ele lacearia. A mesma esperança vã e tola dos que querem crer para serem enganados, como os que tomam remédio para emagrecer acreditando que, ao contrário de todo o resto da população mundial, nunca mais engordarão.
Pois eu voltei da entrevista com os sapatos na mão, indo descalça da livraria no shopping iguatemi até meu carro.
Hoje, foi a mesma coisa.
Foi por causa de ontem.
Ontem, fiz aqueles testes na produtora, com várias mulheres bonita e bem arrumadas. E todas, sem exceção, todas, tinha quadril estreito e usavam sapatos lindos. Eu, estava com um sapato de salto já bem velho e com minha tradicional banda larga.
Fiquei arrasada. Descobri que todas as mulheres chiques tem quadril estreito, nariz afilado e usam sapatos de salto e bico finos comprados na Oscar Freire.
Totalmente arrasada por me ver em roupas velhas e cafonésimas, datadas e vencidas, esqueci que eu tenho algum tipo de virtude e, não podendo cortar metade do quadril para sair pela manhã, tentei, ao menos, copiar o saltinho e o biquinho. E assim, botei o maldito par de assassinos mortais.
Na hora do almoço, sai à pé e a tortura começou. Calçadas tortas, paralelepípedos. Esqueci que mulher fina tem motorista e não anda pelas ruas da cidade.
Meus pés, foram literalmente, comidos.
Eram só dor e incômodo. Tentei de tudo na agência, mas eu não tinha opção. Andei descalça pelo carpete e passei o dia sentadinha na minha baia.
Nunca mais vou fazer isso comigo mesma, juro. É muita idiotice, falta de auto-estima, insegurança.
Roupa apertada, sapato que machuca...o que é isso? Auto flagelação?
Fiquei muito chateada comigo mesma.
Mas vou me recuperar. Amanhã será um outro dia e tentarei resgatar a dignidade que sobrou do tornozelo para cima.
Amanhã, vou trabalhar com o mais confortável par de tênis usado que possuo. E serei tão somente o que sou. Sem desejar ser ninguém assim ou assado. Sem copiar um pedaço que não me cabe. Sem querer brincar de fazer tipo.
Coisa estúpida. Que deixa a gente assim, sem pé, nem cabeça.

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