9/05/2003

O MENOR ESPETÁCULO DA TERRA

"Sua esposa ama o senhor demais, isso não é importante?"
"E daí? Por acaso, quando você vai comer uma leitoa você pergunta se ela está apaixonada por você?"

A platéia vem abaixo. Risos. Muitos risos. Só paravam quando perdiam o fôlego.

Assistir à nova "comédia" de Juca de Oliveira foi um dos maiores dramas da minha vida. Uma daquelas tragédias que deixam lembranças tristes e demoram a ir embora. Depois da morte de um ente querido, ou de uma tortura militar, certamente "A Flor do Bem Querer" é uma das piores experiências que um ser humano pode enfrentar.

Apesar das advertências de minha genial amiga Rosana Hermann, masoquisticamente quis submeter meus próprios sentidos a este mal. Já iniciado no "teatro" fácil do ator aspirante à autor, no caminho eu já me preparava para o pior. Tive uma hora de trânsito para setar os parâmetros mais baixos possíveis. Usei "A Praça é Nossa" e "Zorra Total" como referências para anular qualquer expectativa positiva. Inocência minha. Ou ignorância, de quão ignorante poderia ser uma atividade artística, de quão baixo poderia descer um espetáculo.

Diálogos infundados, inconsistentes, escritos com o domínio linguístico de uma criança de oito anos e a estreita visão de mundo de um adulto iletrado e amargurado, insistentemente entrecotados por incontáveis e impublicáveis impropérios. A cada desqualificação da mãe de algum personagem, a platéia ia à loucura. Lavagem reforçada aos porcos. E como os animais são condicionados pela repetição e um suíno pode atravessar toda uma vida se alimentando e chafurdando feliz nos mesmos restos podres de comida, os risos lembravam a sonorização das sit coms americanas, porém aqui com a maior concentração de gargalhadas por piadas quadradas do mundo.

O trecho no qual o patético veterano Juca de Oliveira transmite seus conhecimentos, passo-a-passo a seu pupilo, sobre a "arte de descabaçar" uma mulher (recheado de requintes como os detalhes da "contração do esfincter vaginal") é, sem dúvida, uma das passagens mais infelizes, grosseiras e embaraçosas da dramaturgia brasileira. Quiçá, universal. Desprovidos de qualquer noção de humor inteligente ou referência teatral, espectadores choravam de rir em um uníssono coro bestial.

Isto sem falar na performance da atriz que protagoniza Flor, a personagem-título da peça. Perto da entonação de voz que ela "desenvolveu" para interpretar uma colona, a fêmea de um asno no cio soa como Edith Piaf. Salvam-se apenas o casal de velhos colonos, evidentemente embaraçados por dividirem o palco com tanta gente ruim.

O festival de clichês não podia deixar de lado as artimanhas políticas e a malandragem do senado, satirizando as atualidades de Brasília e do governo paulista. Em seguida, uma "profunda" discussão sobre a questão da violência, culmina em uma apologia à pena de morte e a grupos de extermínio na visão fascista de um político, em uma pífia tentativa de posicionamento político do autor Juca de Oliveira.

Fato é que nem o mais corrupto dos políticos, o mais sangue-frio dos estupradores, ou o mais ousado dos traficantes pode ser mais nocivo à sociedade do que o pretenso dramaturgo. Acredito que ele seja até mais maléfico porque lida com o nosso consentimento e se esconde sob o falso pano do artista. E então, nos rouba, nos invade e ainda vicia pobres almas desorientadas na pior das drogas, ao fazer das artes cênicas o mais venenoso dos arsênicos.

Anistia aos Lalaus. Liberdade aos Maníacos do Parque e aos Beira-Mar. Cárcere privado aos Jucas. Se for pedir muito, quero pelo menos o meu dinheiro de volta.

PS.: E a peça está em cartaz no teatro que leva o nome de "CULTURA ARTÍSTICA". Essa sim, é de gargalhar.



TEXTO: Roberto Feres, Diretor de Criação da Synapsys.

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