4/10/2003

Piscina

Logo cedo quando acordei, peguei minha Revista Caras que trouxe do trabalho, com sua indefectível sobrecapa para assinantes mostrando o simpático Assolan, e mergulhei de cabeça num mundo de imagens que, a cada edição, busca contrariar o preceito de que 'o dinheiro não traz a felicidade'.

Numa das reportagens vi a nova casa de Scheylla Carvalho ex-tchan, que após 8.423 ensaios posando nua, jurou que nunca mais vai tirar a roupa. A casa de Scheylla, cuja última versão de grafia não fui capaz de acompanhar, tem uma linda piscina. Há fotos dela na piscina com e sem bóia, no raso e no fundo e uma, bem grande, em que ela salta do segundo andar da mansão, provavelmente da janela ou da sacada, direto para a piscina. E em letras garrafais e entre aspas, uma frase que diz algo como 'quando pulo na minha piscina volto a ser criança'.

Fiquei pensando nesta frase durante algumas dezenas dos 8 mil metros que acabei de correr. Pensei também em como seria bom poder pular numa piscina agora, mesmo que fosse do térreo.

A piscina sempre foi um símbolo de status financeiro, de sucesso profissional, de riqueza, berço e poder. Pobre não tem piscina. Tem laguinho, tem poça, tem tanque, tem rio perto da choupana. Tem cachoeira e mar se tiver sorte. Tem até piscininha de plástico pra encher com a mangueira, quando tem água. Mas piscina, é coisa de rico. Ou de gente classe pobre alta.
Durante toda a minha vida nunca tive uma piscina para chamar de minha. Há poucos anos, compramos uma chácara e, pasme, veio com uma piscina. De vez em quando, sinto exatamente o que a moça do tchan diz quando mergulha e tem dificuldade para acreditar que enfim, ela é proprietária de um solene buraco forrado de azulejos com água até o talo. Com escadinha. Mas isso é só no fim de semana, um privilégio tão recente que ainda me pego com medo do dono aparecer a qualquer momento e me mandar sair da piscina.

Desde pequena fiz natação. Sempre me lembro da Yara Grottera, querida amiga, que um dia me disse que pobre não sabe nadar nem falar inglês. Eu, por acaso, nasci de família muito simples mas sei fazer bem os dois, por sorte do destino. Mas a piscina que freqüentava quando menina era num clube chamado NOsso Clube, na VIla Galvão, no município de Guarulhos, que nem fazia parte da Grande São Paulo. Depois, cresci e tive poucos amigos com casa com piscina. Só fui desfrutar diariamente desta benção quando entrei na USP, a Universidade de São Paulo, nos anos 70. Eu vi a piscina olímpica, a de saltos, a de recreação, construídas. Nadava todos os dias, dois quilometros por dia. Ela a minha maior alegria. Aquela água, aquele azul, aquele mantra repetido com o corpo e a mente...

Nadei 4 anos de Bacharelado em Física, 2 anos de mestrado em Física Nuclear, 2 anos de Escola de Comunicação e Arte, mais dois anos como ex-aluna, mais dois como ex-mulher de ex-aluno e depois, me expulsaram definitivamente do complexo de piscina por ex-cesso de ex-títulos. Um dia ainda volto lá para lembrar meu ritual de chegar cedo, antes que a piscina abrisse, só para ser a primeira a quebrar a placidez da água com o primeiro salto...

De 86 a 92 as piscinas só passaram pela minha vida em hotéis, eventualmente. Devo ter experimentado várias, desde as mais maravilhosamente frias e amplas aos tanques quentes e constrangedores de algumas academias onde fiz natação.
Em 92, casei com a piscina da Hebraica em São Paulo e pretendo nadar até o fim da vida. A gestação da minha filha, teve 9 meses de piscina. Nadei dois mil metros na véspera dela nascer. Hoje, ela faz natação no mesmo lugar.
Já visitei uma piscina no Biltmore Hotel em Miami que pretende ser a maior do lado B dos EUA. Não sei qual é a categoria certa mas americano sempre inventa uma para que algo seja o maior ou melhor naquilo. Já vi a piscina mais bonita da minha vida mas não posso dizer de quem é nem onde fica para que ninguém vá amolar o rapaz.
Sempre que sobrevôo São Paulo ou outra cidade e vejo as piscinas do alto, fico pensando em suas histórias. Há histórias tristes, todos nós sabemos, cada um tem a sua. Não vale nem a pena falar para não reviver sofrimentos passados.
Mas a piscina é um momento de recreação, de alegria, de liberdade, de contato total com uma imensa quantidade de água limpa. Ou deveria ser.

De todas as piscinas que já vi, uma marcou para sempre. Não pelo status nem pela riqueza mas pela delícia natural.
Foi num aniversário, sempre em julho..., que passei no Parque de Itatiaia no Rio de Janeiro. Á noite, numa pousada, com um céu de fazer inveja à qualquer convenção de vagalumes no escuro, fui para a sauna do hotelzinho, que ficava ao lado de uma piscina ao ar livre. Saí de lá, descansei, olhei pro céu, respirei e tchibum...!...!:: .. ... . . (alguns pontinhos espirraram, sorry)
Saí de lá renascida.

No dia seguinte, fui a uma piscina de águas naturais, imensa, linda, no meio da natureza. E não tive dúvida. Saquei minhas roupas, voltei ao mais natural dos naturais e, assim como vim ao mundo, com um grito tribal pulei na água transparente.
Não tinha nenhum fotógrafo da Caras, mas se tivesse talvez eu tivesse dito:
"Quando pulo na piscina de Deus, volto a me sentir gente."

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